O termo hackear é muito utilizado na área de informática como sinônimo de “adaptar às necessidades”. Ao contrário do que muitos pensam, o termo não tem nada a ver com invasão de computadores e atividades ilícitas. No idioma inglês, o
verbo “to hack” tem muito a ver com o “faça você mesmo” e com modificações feitas para personalizar ou modificar algum tipo de produto, aparelho ou equipamento.
Então, como hackear a geladeira e economizar 20% no consumo?
O problema
Há muito tempo venho tentando imaginar uma maneira de reduzir minha conta de eletricidade. Ainda mais, depois que a Copel resolver acabar com o desconto que há anos oferecia nas nossas contas, que chegava a quase R$20,00, no meu caso. Apesar de só utilizar lâmpadas econômicas, minha conta oscila entre 120 e 180 kWh/mês.
Comecei, então, a pensar o que poderia fazer para diminuir esse valor. Meu primeiro alvo foi minha geladeira, a belezinha da foto abaixo.
Há algum tempo fiquei imaginando o porque de expositores de supermercados (que são abertos o dia todo) usam termostatos digitais, e nossas geladeiras residenciais usam termostatos mecânicos. A diferença de preço, no varejo, nem é tão grande assim, para o valor de um produto novo, e mesmo de um produto usado.
Estudo de Caso
Fiquei incomodado com isso e comprei um termostato digital Novus, modelo N321, com sensor de temperatura NTC10 (R$80,00, em 2011 ano em que o post foi escrito – N.A.), o da foto abaixo:
Arduino Pro Mini Clone
Arduino Pro Mini Clone
O Arduino Pro Mini Clone é uma placa de desenvolvimento e aprendizado baseada na plataforma Arduino©, totalmente compatível com o original. Possui mincrocontrolador ATmega 328P-MU (Veja o datasheet aqui), com clock de 16 MHz e 32 kB d…
Antes de qualquer coisa, resolvi testar o funcionamento do aparelho da seguinte maneira:
- Fervi uma panela com água e coloquei o sensor dentro dela. A água fervente permanece a uma temperatura de 100°C. Constatei um erro de -2,3°C, pois o instrumento indicou 97,7°C. Normal para esse tipo de instrumento.
- Coloquei uma camada de gelo em uma panela, coloquei o sensor sobre ela e cobri com outra camada de gelo. completei o resto com água em temperatura ambiente. A temperatura do sistema ficaria em torno de 0°C. O instrumento indicou a temperatura corretamente, o que significava que não precisaria fazer nenhum ajuste de offset para a faixa de temperatura que desejava.
Coleta de dados
Como era dia de limpar a geladeira, resolvi fazer um estudo do comportamento térmico dela. Após a limpeza, instalei o sensor dentro do congelador, numa posição semelhante à do termostato mecânico original, tomando cuidado para mantê-lo afastado das superfícies do congelador e da porta, para que ele medisse apenas a temperatura do ar, conforme a foto abaixo.
Regulei o termostato da geladeira para a posição 1 e comecei as medições com uma temperatura ambiente de 22,7°C.
Adotei o seguinte método de medição:
- Anotei a hora e a temperatura inicial;
- Anotei a hora em que a temperatura chegou a 0°C;
- Anotei a hora e a temperatura em que o motor desligou;
- Anotei a temperatura mínima inercial, após o desligamento do motor;
- Anotei a hora e a temperatura em que o motor foi religado;
- Anotei a temperatura máxima inercial após o religamento do motor;
- Repeti os passos 3 a 6 até ter dados suficientes para gerar um gráfico de tendência.
Na tabela abaixo estão os dados que coletei:
Hora | Intervalo | Temperatura | Inércia | Estado |
12:17 | 00:00 | 22,7 | 22,7 | on |
12:38 | 00:21 | -2,3 | -2,5 | off |
12:42 | 00:04 | -1,8 | -1,5 | on |
12:47 | 00:05 | -3,2 | -3,5 | off |
12:51 | 00:04 | -2,7 | -2,3 | on |
12:56 | 00:05 | -3,7 | -4,1 | off |
13:00 | 00:04 | -3,1 | -2,7 | on |
13:05 | 00:05 | -3,9 | -4,2 | off |
13:09 | 00:04 | -3,3 | -2,9 | on |
13:14 | 00:05 | -4,1 | -4,5 | off |
13:19 | 00:05 | -3,5 | -3,2 | on |
13:23 | 00:04 | -4,3 | -4,6 | off |
13:27 | 00:04 | -3,6 | -3,3 | on |
13:31 | 00:04 | -4,5 | -4,9 | off |
13:37 | 00:06 | -3,9 | -3,6 | on |
13:41 | 00:04 | -4,7 | -5,1 | off |
13:46 | 00:05 | -4,0 | -3,7 | on |
13:50 | 00:04 | -4,7 | -5,1 | off |
13:56 | 00:06 | -4,0 | -3,7 | on |
13:59 | 00:03 | -4,7 | -5,2 | off |
14:05 | 00:06 | -4,1 | -3,8 | on |
14:09 | 00:04 | -5,0 | -5,5 | off |
14:15 | 00:06 | -4,3 | -3,9 | on |
14:19 | 00:04 | -5,0 | -5,5 | off |
14:25 | 00:06 | -4,3 | -4,0 | on |
14:29 | 00:04 | -5,1 | -5,6 | off |
14:36 | 00:07 | -4,3 | -4,0 | on |
14:40 | 00:04 | -5,3 | -5,8 | off |
14:46 | 00:06 | -4,4 | -4,2 | on |
14:51 | 00:05 | -5,3 | -5,8 | off |
14:57 | 00:06 | -4,4 | -4,2 | on |
15:01 | 00:04 | -5,2 | -5,7 | off |
15:06 | 00:05 | -3,7 | -3,2 | on |
15:10 | 00:04 | -4,4 | -4,9 | off |
15:15 | 00:05 | -3,9 | -3,6 | on |
15:19 | 00:04 | -4,8 | -5,3 | off |
15:26 | 00:07 | -4,1 | -3,8 | on |
15:30 | 00:04 | -5,2 | -5,5 | off |
15:35 | 00:05 | -3,2 | -2,8 | on |
15:40 | 00:05 | -4,2 | -4,6 | off |
15:46 | 00:06 | -3,7 | -3,4 | on |
15:50 | 00:04 | -4,8 | -5,2 | off |
15:56 | 00:06 | -4,0 | -3,7 | on |
16:00 | 00:04 | -4,9 | -5,4 | off |
16:07 | 00:07 | -4,1 | -3,9 | on |
16:11 | 00:04 | -5,0 | -5,5 | off |
16:18 | 00:07 | -4,2 | -3,9 | on |
16:22 | 00:04 | -5,1 | -5,6 | off |
16:28 | 00:06 | -4,2 | -3,9 | on |
16:32 | 00:04 | -5,2 | -5,6 | off |
16:39 | 00:07 | -4,3 | -4,1 | on |
16:43 | 00:04 | -5,3 | -5,8 | off |
16:50 | 00:07 | -4,4 | -4,1 | on |
16:54 | 00:04 | -5,3 | -5,8 | off |
17:01 | 00:07 | -4,4 | -4,1 | on |
17:04 | 00:03 | -5,0 | -5,6 | off |
Com esses dados, gerei o gráfico de variação de temperatura abaixo:
Análise dos dados coletados
Pude perceber algumas coisas interessantes nesse gráfico:
- A temperatura média para a qual tende a curva do gráfico é de aproximadamente -6°C;
- O período de estabilização da temperatura é de cerca de 1 hora e 30 minutos. Durante esse período, o motor funciona durante cerca de 4 minutos e para por cerca de 5 minutos;
- Após a estabilização, o motor passa a funcionar durante cerca de 4 minutos e para por cerca de 6 a 7 minutos;
- A geladeira foi aberta por cerca de 20 segundos às 15:00 e por cerca de 5 segundos às 15:30. Houve, então, um novo período de estabilização da temperatura que alterou os tempos de liga e desliga.
De posse desses dados, pude estimar o consumo mensal de energia da geladeira. Ela utiliza um compressor do modelo PW 4,5K9 da Embraco, como mostra a foto abaixo:
Pesquisando na internet, encontrei uma tabela de especificações na página do fabricante, que mostra que o compressor fornece uma potência máxima nominal de 1/8 CV. 1 CV equivale a 735,5 Watts, portanto, meu compressor utiliza aproximadamente 100W de potência.
Se assumirmos que a geladeira tem um ciclo de 10 minutos, pois funciona por 4 minutos e desliga por outros 6 minutos, em média durante o dia, podemos fazer os seguintes cálculos:
Tempo ligada (Ton) = 40%
Tempo desligada (Toff)= 60%
A energia é consumida apenas no tempo Ton, portanto, apenas 40% do tempo de cada ciclo (depois de estabilizada a temperatura):
Ton (em 1 dia) = 24 h * 0,40 = 9,6 horas (9 horas e 36 minutos)
Num mês de 30 dias:
Ton (30 dias) = 9,6 horas * 30 dias = 288 horas.
Para saber o quanto isso influencia na minha conta de energia elétrica:
Consumo mensal = 288 horas * 100 W = 28,8 kWh.
Em uma conta, cuja média é de 150 kWh por mês, isso equivale a quase 20% da conta mensal de energia.
Solução proposta
Esses dados me surpreenderam um pouco. Verifiquei que o termostato que havia comprado possuía um relé para o controle do compressor com capacidade para até 250W. Resolvi, então, hackear a geladeira, mas não queria me incomodar modificando os circuitos elétricos originais do aparelho.
Resolvi, então, colocar o termostato numa caixa de plástico, consegui um pedaço de cabo de energia com uma tomada, de um velho secador de cabelos queimado e comprei uma tomada fêmea. e liguei todos como o desenho abaixo:
Lendo o manual do termostato, fiz a regulagem dos parâmetros do termostato da seguinte maneira:
- Regulei a temperatura de trabalho (SP) em -5°C;
- Ajustei a unidade (Unt) para o valor “0”, para exibir a temperatura em graus Celsius;
- Ajustei o tipo de ação de saída (Act) para “1”, para ligar o compressor quando a temperatura subir;
- Ajustei o tempo mínimo de desligado (Oft) para 120 segundos, que é o tempo que o termostato esperará para ligar o compressor depois que a temperatura subir mais do que -5°C;
- Ajustei o tempo mínimo de ligado (Ont) para 60 segundos, que é o tempo mínimo que o compressor ficará ligado depois que a temperatura baixar menos do que -5°C.
- Ajustei o termostato original da geladeira para o máximo, para que ele ficasse ligado sempre.
Com essas configurações consegui leituras tão estáveis e previsíveis que desisti de montar uma tabela, já que não havia mais uma curva de estabilização. O ciclo de trabalho com ficou assim:
- Temperatura média: -5°C;
- Temperatura mínima: -3,9°C;
- Temperatura máxima: -6,2°C;
- Tempo ligada (Ton): 5 m (22,73%);
- Tempo desligada (Toff): 17 m (77,27%)
- Ton em 1 hora: 13,64 m (13 m e 38,18 s)
- Ton em 1 dia: 327,27 m (5 h 27 m 16,36 s)
- Ton em 30 dias: 9818,18 m (6 d 19 h 38 m 10,9 s) = 163,6364 h
- Consumo em 30 dias: 100 W * 163,6364 h = 16363,64 Wh = 16,364 kWh
- Consumo do termostato: 5 W * 24 h * 30 d = 3,6 kWh
- Consumo total: 16,384 + 3,6 = 19,984 kWh/mês
Isso significa que, houve uma redução do consumo da geladeira de 30,61%!!!
A amplitude térmica aumentou um pouco (0,3 °C para cima e para baixo), o que é muito pouco, e totalmente aceitável, se levarmos em conta que a curva de estabilização do termostato original da geladeira gera uma amplitude térmica bem maior do que esta. Além disso, a recuperação após a abertura da porta, é conseguida em apenas um ciclo após o evento.
Conclusão
Mas vamos o impacto disso em termos econômicos:
- O kWh cobrado pela Copel é de R$0,479803;
- Com um consumo médio de 150 kWh/mês, o valor da conta de energia chegaria a R$71,97, fora a taxa de iluminação pública que, em Curitiba é de R$4,25, totalizando R$76,22;
- Nessa conta de energia, com o termostato mecânico, a geladeira seria responsável por R$13,82;
- Colocando o termostato eletrônico, a contribuição da geladeira cairia para R$9,59, e a conta total cairia para R$71,99.
- Anualmente, sem contar com reajustes de tarifas, a economia seria de R$50,76.
Pode parecer pouco, mas vamos analisar mais adiante:
O tempo médio de vida de uma geladeira, segundo uma pesquisa da Unicamp, é de 16 anos. Durante a sua vida útil, a economia seria de R$812,16, valor suficiente para adquirir uma geladeira nova.
Mas vamos mais além:
O tempo médio de vida de um termostato mecânico é de cerca de 5 anos e seu valor gira em torno de R$40,00. A vida útil de um termostato eletrônico pode superar a da geladeira, o que significa que ele poderia ser utilizado na próxima a ser comprada. Além disso, trabalhando quase 50% menos, o compressor terá sua vida útil aumentada, o que pode aumentar a vida útil da própria geladeira. Portanto, o custo do termostato eletrônico pode ser deduzido das manutenções que não serão realizadas na geladeira durante sua vida útil.
Finalmente, estamos falando de uma geladeira pequena, em uma residência com um consumo baixo de energia elétrica. Em residências maiores e estabelecimentos comerciais com vários equipamentos como freezers, refrigeradores, balcões frigoríficos, etc., a economia pode vir a ser bastante considerável.
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